sábado, 8 de setembro de 2012


DOS VERDES MARES BRAVIOS DE MINHA TERRA Natal AO SONHO AMERICANO:
DE IRACEMA, DE JOSÉ DE ALENCAR, A CHICO BUARQUE DE HOLANDA

Cristina Couto

        Romanceada pelo escritor cearense José de Alencar, cantada pelo paulista Adoniran Barbosa, saudada pelo baiano Caetano Veloso, e simbolizada pelo carioca Chico Buarque de Holanda, mais uma vez o ícone cearense, Iracema, tornou-se musa desse compositor, a partir da canção “Iracema Voou”. E, assim fazendo, Chico Buarque repensa o mito das mulheres destinadas a nos representar numa mistura de imagens e sonhos diante da cultura brasileira. 
         Neste texto, a ideia é seguir esse conjunto de representações, que há quase dois séculos são como ponte entre a cultura brasileira e a velocidade da modernidade nos últimos tempos.
        Num fio enredado por escritores, compositores, poetas, sambistas e cancioneiros, duas figuras se destacam como começo e fim desse novelo cultural. No principio, está o escritor cearense José de Alencar que, em 1865, colocou a personagem Iracema no cenário cultural, sendo essa a primeira que deu rumo à conversa.
        Depois, em 1956, o sambista Adoniran Barbosa a eternizou numa canção conhecida e cantada nas rodas de samba de mesa e de fundo de quintal. Finalmente, um século depois da sua revelação, Iracema seria popularizada.
         Uma década se passou e Caetano Veloso a saudou fervorosamente em sua Tropicália, e desta vez ela aparece ao lado de outro ícone, o ícone geográfico da revolução de costumes do tempo, representado por Ipanema, fundidos neste belo verso: “Viva Iracema, viva Ipanema”.
          E para finalizar o grande novelo cultural que as Iracemas acabaram se enroscando, a figura de Chico Buarque tratou de ficar na linha de ponta atual desse extenso processo.
        A Iracema que voltou nos versos musicais de Chico é uma mulher moderna da era da globalização, do consumo e da marca impressa em tudo e em toda parte, que ver na força do trabalho a oportunidade para sua ascensão profissional e sua liberdade financeira.
       Desta vez, ela não é mais aquela mulher passiva: ela agora vai ao encontro da modernidade, representada na música pela sua migração, fato comum nos habitantes da periferia em direção aos grandes centros, sempre em busca de uma ilusão, de um futuro melhor e mais promissor.
        Aquela Iracema que nascera no Ceará, a partir das linhas escritas por José de Alencar, e que andava toda a mata cearense a pé, um século mais tarde viaja para São Paulo e perde-se tragicamente no trânsito da grande metrópole.
         Uma década depois, não mais como as jandaias que habitavam a mata do seu Ceará, mas desta vez como a lendária fênix, ela ressurge nas correntes artísticas de vanguarda na voz de Caetano Veloso, em pleno Coração do Brasil. Nos versos de Chico Buarque, a personagem indígena de José de Alencar é modernizada ao máximo: “Iracema Voou” para a mais nítida representação do capitalismo: a América.
        Aquela antiga Iracema passiva e discreta não mais está no Brasil a espera de dias melhores. Agora a novíssima Iracema conduz afoita seu próprio destino, deixando para trás o canto da jandaia, o trânsito de São Paulo e os céus do Brasil. Porque, afinal, tudo passa mesmo sobre a terra.