quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

ACORDO ORTOGRÁFICO.

A URGENCIA DO ACORDO ORTOGRÁFICO

Amandio Silva*


Na audição parlamentar pública realizada na Assembléia da República, em Lisboa, no passado dia 7 de Abril, um cidadão de Timor-Leste, numa intervenção concisa mas eloquente, afirmou que era necessário ultrapassar o quadro atual de manifesta confusão no ensino primário de seu país, dado que os professores portugueses e brasileiros alfebetizam as crianças timorenses, com ortografias diferentes, gerando uma discriminação que, mesmo, involuntária, dará origem a problemas futuros a todos os níveis.
Na minha intervenção, citei o recente caso do Brasil ter doado dez mil livros infantis - para faixa dos 7 a 10 anos - que não puderam ser aproveitados, porque responsaveis do Ministério da Educação consideraram inaceitavel entregar às crianças livros cuja ortografia - a brasileira - lhes iria criar perplexidades, visto estarem a ser alfabetizados seguindo a ortografia portuguesa.
Recebi essa informação do escritor angolano José Eduardo Agualusa, que usou uma expressão brasileira "fundir a cuca" para ilustrar o que iria acontecer na cabeça dos pequenos de sua terra. E completou com uma afirmação que me deixou antever o perigo que Portugal corria, se não adotasse rapidamente as regras que, apesar de acordadas em 1990, até hoje não foram postas em prática. Ele disse com voz séria: "Se Portugal não colocar em prática o Acordo Ortográfico, eu vou defender que Angola adote a ortografia brasileira. Não porque são já cento e oitenta milhões de brasileiros, mas porque hoje temos mais afinidades com o Brasil do que com Portugal".
Os dois factos são bem elucidativos de como o ensino e a difusão do português nos PALOP e em Timor serão claramente reforçados com a implementação do Acordo Ortográfico. Não podemos esquecer como o esforço por esse ensino e essa difusão são a única forma de combate ao avanço - e óbvio interesse financeiro - de outras linguas, como, por exemplo, o francês na Guiné-Bissau e o inglês em Moçambique.
Dentro de alguns anos, uma professora de São Luis do Maranhão e outra de Guimarães, deslocadas para ensinar a lingua portuguesa, na Beira uma e em Benguela outra, estarão usando a mesma ortografia. Os seus alunos, em Moçambique e em Angola, estarão assim aprendendo a escrever suas primeiras frases, de forma exatamente igual, independentemente de as falarem ou cantarem com entonações diferentes. E assim se deseja para todas as crianças que estiverem a aprender a nossa língua em qualquer recanto dos vários continentes onde se fala português.
Por desinformação ou por interesses corporativos, ou ainda por um nacionalismo exacerbado, temos ouvido as declarações mais absurdas, inclusive de profissionais da escrita e da língua, tanto em Portugal como no Brasil, atribuindo extensões inaceitaveis, à fonética, à sintaxe, até à semantica, recorrendo a imagens fantasmagóricas ou catastróficas de mutilações à língua, absolutamente fantasiosas. Trata-se simples e exclusivamente de UM ACORDO ORTOGRÁFICO.
Poderia invocar outra ordem de razões - inclusive na conveniente afirmação da língua portuguesa nas entidades internacionais, em algumas das quais o português pode e deve ter o estatuto de língua oficial - que aconselham a urgente praticidade do Acordo Ortográfico, adiado quase vinte anos por "guerras do Alecrim e da Manjerona" como referiu conciliatoriamente Mário Soares, quando, semana passada, participou do agraciamento de Fernando Henrique Cardoso na academia de Ciencias de Lisboa. Mas condidero suficiente invocar a urgente alfabetização do português com a mesma ortografia em todos os países da CPLP. Dentro de duas décadas será mais fácil avaliar as imensos benefícios dessa medida no campo educacional.
O Acordo Ortográfico é pois um vigoroso instrumento do reforço dos laços entre os países e territórios de língua portuguesa. Brasil e Portugal teem o dever de cooperar estreitamente em África e no Oriente, para que Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Principe e Timor - e também Macau e Goa - no sentido de que o Acordo Ortográfico se aplique no mais curto tempo possivel, em prazos que se aproximem - tanto quanto as decisões políticas o permitam - dos já definidos Governo Brasileiro, que prevê sua vigencia plena até final de 2011, com o designo intercalar de grande alcance, que data o primeiro dia de 2010 como o da entrada em vigor de todos os livros didáticos dos ensinos primário e secundário, em todo o continente brasileiro.
Termino com uma frase lapidar de Adriano Moreira em sua alocação na Assembléia da República e que se aplica por inteiro a todos os membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e a todos os respetivos povos: "A Língua Portuguesa não é nossa. É TAMBÉM NOSSA!".
Rio de Janeiro, 13 de Abril de 2008
*Presidente da Associação Mares Navegados.